O papel do selénio como antioxidante em diversas doenças
Nas últimas décadas, inúmeros estudos têm associado baixos níveis de selénio no sangue à doença cardiovascular, cancro, aumento do risco de infecção, perturbações da tiróide, e várias outras doenças. Dado que os problemas com carência de selénio são generalizados, a suplementação com este nutriente pode ser vantajosa para a saúde geral. Num artigo de revisão, publicado na Oxidative Medicine and Cellular Longevity, os autores estudaram o papel do selénio em várias doenças e perturbações metabólicas.
O selénio era considerado um composto tóxico, mas a ciência chegou à conclusão de que, na verdade, é um oligoelemento essencial de que o ser humano precisa em quantidade suficiente. E isto porque o selénio favorece bem mais do que 25 selenoproteínas reconhecidas como importantes para a renovação energética, função tiroideia, defesas imunitárias, fertilidade, formação dos neurónios, entre muitas outras funções.
Diversas selenoproteínas também constituem antioxidantes potentes que protegem as células contra danos dos radicais livres. O ser humano produz radicais livres como um subproduto natural dos processos metabólicos. A carga de radicais livres aumenta com o envelhecimento, intoxicação, tabagismo, entre outros. É fundamental que os antioxidantes controlem os radicais livres e evitem o chamado stress oxidativo, situação em que os radicais livres fazem estragos. É especialmente perigoso quando os radicais livres atacam e oxidam o colesterol e os ácidos gordos polinsaturados nas membranas celulares. Isto provoca peroxidação lipídica, em que os radicais livres iniciam reacções em cadeia nas células e nos tecidos. O stress oxidativo cria condições para aterosclerose, lesão do ADN celular e de outros componentes das células, o que pode dar origem a inúmeras doenças.
Neste artigo de revisão, os cientistas analisaram de perto o papel do selénio na saúde, com especial enfoque em diversos antioxidantes que contêm selénio, como GPX 1-6 (glutationa peroxidase), selenoproteína P e TXNRD 1-3.
O selénio nos diversos órgãos, e a concentração de selénio no organismo
Os nossos órgãos contêm quantidades diferentes de selénio. Possuímos cerca de 30% do selénio no fígado e tecido muscular, 15% nos rins e outros órgãos, e 10% no plasma. Contudo, em caso de carência de selénio, esta distribuição fica desequilibrada, porque o organismo é obrigado a dar prioridade às funções dependentes do selénio mais importantes. Daí que o cérebro, a glândula da tiróide, testículos e músculos consigam conservar ou reabsorver selénio e se possa verificar queda acentuada das concentrações de selénio no fígado, pulmões, músculos, pele e outros tecidos. As células também parecem dar primazia ao selénio para regular a renovação energética e reprodução, ao passo que o efeito antioxidante protector do nutriente é negligenciado.
A concentração de selénio do organismo, normalmente, é avaliada por análise ao sangue. É possível avaliar a concentração de selénio durante mais tempo por doseamento do teor de selénio no cabelo ou unhas.
- Os dados da Europa e de várias regiões da China, da Ásia, do Médio Oriente e de África mostram que as pessoas não obtêm selénio suficiente na alimentação
- Isto deve-se, sobretudo, aos solos pobres em selénio, e este problema reflecte-se em toda a cadeia alimentar.
Selénio, cancro, perturbações metabólicas, e inflamação
Os autores referem ainda estudos populacionais que associam níveis elevados de selénio no sangue a menor mortalidade. Pelo contrário, baixos níveis de selénio no sangue estão relacionados com maior mortalidade, incluindo mortalidade por cancro.
Além disso, verificou-se que baixa concentração de selénio está associada a insuficiência cardíaca, perturbações da tiróide, anemia, carência de ferro, e níveis elevados de PCR (proteína C reactiva), que é um marcador de inflamação.
A ciência constatou, recentemente, que a baixa concentração de selénio está inclusivamente associada à síndrome metabólica (fase inicial da diabetes tipo 2), que implica problemas como níveis elevados de açúcar no sangue, níveis de colesterol elevados e IMC elevado. A síndrome metabólica está a propagar-se rapidamente. Daí os cientistas pedirem mais atenção para a correlação entre carência de selénio e cancro, inflamação e perturbações metabólicas.
Selénio e doença cardiovascular
A oclusão coronária é a causa principal de morte no mundo ocidental. A capacidade do selénio de proteger contra doença cardiovascular deve-se, essencialmente, aos antioxidantes que contêm selénio, como GPX (glutationa peroxidase), que neutralizaram a peroxidação lipídica do colesterol, uma das causas principais de aterosclerose. Os antioxidantes que contêm selénio também conferem protecção contra a inflamação crónica, outro factor que contribui.
No artigo, os autores referem uma metanálise que mostra que os doentes com doença cardiovascular têm concentrações de selénio no sangue inferiores às de pessoas saudáveis. Outros estudos mostram que quantidade suficiente de selénio no sangue confere protecção contra doença cardiovascular.
Também fazem referência ao estudo sueco KiSel-10, em que 443 idosos saudáveis foram seleccionados aleatoriamente para receberem um suplemento diário de 200 microgramas de selénio e 200 mg se coenzima Q10, ou placebo correspondente. O estudo durou cinco anos e mostrou que as pessoas que tinham recebido suplementos activos apresentavam uma taxa de mortalidade 54% inferior, comparativamente ao grupo que recebera placebo. O acompanhamento do estudo mostrou que os dois suplementos tinham impacto na esperança de vida e na qualidade de vida.
A associação do selénio com a coenzima Q10 deve-se ao facto de os terrenos de cultivo na Suécia serem muito pobres em selénio e à síntese de Q10 endógena diminuir à medida que envelhecemos. O Q10 é importante para a renovação energética, além de ter um papel primordial como antioxidante, e são necessárias várias selenoproteínas para melhor utilização do Q10 na produção energética, pelo que faz todo o sentido administrar os dois nutrientes às pessoas de mais idade. O estudo KiSel-10 é extraordinário a vários títulos, especialmente porque chama a atenção para como os idosos podem manter-se de boa saúde com o avançar da idade.
- A inflamação crónica indolente é um denominador comum na maioria das doenças crónicas
- A inflamação crónica ataca o organismo com radicais livres, que podem ser nocivos para o colesterol e células
Selénio e hipertensão
A tensão arterial elevada aumenta o risco de enfarte cardíaco, AVC (coágulo sanguíneo no cérebro ou hemorragia cerebral), e morte prematura. Stress oxidativo, inflamação, e disfunções nas células endoteliais são as causas principais de hipertensão.
Diversos estudos mostraram que os doentes com tensão arterial elevada produzem mais radicais livres, além de terem menor protecção antioxidante.
Por exemplo, um estudo chinês de vinte anos (Xie et al.) constatou que maior aporte de selénio estava associado a menor incidência da hipertensão. Contudo, este foi o caso apenas de regiões no norte da China, onde o solo já é pobre em selénio. Isto é corroborado por outros estudos que mostram que a suplementação com selénio para baixar a hipertensão apenas é aplicável em populações que já têm défice de selénio.
Necessidades de selénio e problemas de carência
Ao contrário do que acontece com muitos outros nutrientes, o aporte de selénio varia muito de país para país, e isto deve-se, basicamente, às grandes diferenças globais no teor de selénio do solo. Os terrenos de cultivo da Europa são muito pobres em selénio. Daí o europeu médio obter apenas 40 microgramas de selénio na alimentação, ao passo que a maior parte dos americanos obtém mais de 100 microgramas por dia. Os dados disponíveis indicam que o aporte de selénio é igualmente baixo na China, na Ásia, no Médio Oriente e em África.
A dose diária recomendada de selénio é de 55-70 microgramas. Esta dose, segundo o novo estudo, tem por base a quantidade de selénio necessária para saturar o antioxidante GPX, que contém selénio, no sangue. Há, contudo, investigação que mostra que precisamos de mais de 100 microgramas diários de selénio para saturar devidamente a selenoproteína P, uma proteína transportadora de selénio e que é usada como marcador para medir a concentração de selénio no organismo. Em todo o caso, é imprescindível obter selénio suficiente para saturar todas as selenoproteínas essenciais que se encontram nos diversos tecidos. Muitos estudos avaliaram doses diárias de 200 microgramas. A Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar (EFSA) fixou a dose máxima tolerada em 300 microgramas por dia.
Referências bibliográficas:
Jing Huang et al. Selenium Status and Its Antioxidant Role in metabolic Diseases. Oxidative Medicine and Cellular Longevity. 2022