Carência de selénio e de que modo afecta a flora intestinal, doenças intestinais e saúde mental
O selénio é um oligoelemento essencial, de primeira importância para a saúde geral. O nutriente é igualmente importante para a flora intestinal, sendo que a carência de selénio pode aumentar o risco de síndrome do intestino irritável, doenças inflamatórias do intestino, como a doença de Crohn e colite ulcerosa, e até de cancro do intestino. O intestino também é denominado o “terceiro cérebro”, dada a influência significativa da flora intestinal e da digestão no nosso bem-estar mental, segundo um artigo de revisão publicado na Frontiers in Nutrition. Os autores centraram-se no selénio porque a carência de selénio é comum na China, na Europa e em muitas outras regiões, e pode ser necessária suplementação.
Segundo o novo artigo de revisão, da autoria de cientistas de Wuhan, na China, a enorme flora intestinal consiste em mais de 100 triliões de microrganismos, incluindo bactérias, vírus, fungos e protozoários. A flora intestinal codifica mais de três milhões de genes e regula muitos processos essenciais. A flora intestinal saudável contribui para:
- Garantir boa absorção dos nutrientes alimentares
- Produzir vitaminas e enzimas
- Produzir serotonina (um neurotransmissor)
- Produzir ácido láctico e manter o valor de pH normal
- Prevenir microrganismos nocivos
- Metabolizar os hidratos de carbono indigeríveis (fibras)
É importante que os diversos microrganismos da flora intestinal coexistam em equilíbrio delicado para manter o ecossistema essencial (simbiose).
Se esta simbiose intestinal for perturbada, pode ocorrer disbiose, fazendo com que certas espécies sejam suprimidas e outras dominem. Por exemplo, as bactérias e fungos locais podem replicar-se e criar condições para problemas digestivos e infecções. Além disso, podem sobrevir vários tipos de doenças inflamatórias, como doença de Crohn e colite ulcerosa. A disbiose da flora intestinal é inclusivamente um factor-chave no aparecimento de outras doenças, como cancro, diarreia, ou autismo. Podem ser consequência de diversos factores, como utilização de antibióticos, alimentação pouco saudável, falta de fibras, vários tipos de medicamentos, stress e falta de nutrientes. Os cientistas de Wuhan centraram-se particularmente no selénio por a carência de selénio ser tão generalizada.
Qual o impacto do selénio na saúde, na flora intestinal, na inflamação e na saúde mental?
O selénio é importante para a renovação energética, função tiroideia, defesas imunitárias e muitas outras funções. O nutriente favorece bem mais do que 25 proteínas seleniodependentes (selenoproteínas) que constituem enzimas e antioxidantes. Um dos antioxidantes mais importantes é o GPX (glutationa peroxidase). Neutraliza o stress oxidativo e a lesão celular causados pelos radicais livres.
Relativamente à flora intestinal, o selénio favorece determinada função enzimática bacteriana, e tudo indica que o selénio tem influência directa na flora intestinal e respectivo estado. Ao que tudo indica, um determinado lactobacilo rico em selénio, denominado Lactobacillus rhamnosus SHA113, consegue neutralizar a lesão intestinal ao formar um composto protector insolúvel.
O selénio é importante para as defesas imunitárias intestinais que devem ser capazes de combater os agentes patogénicos e toxinas da alimentação. O efeito anti-inflamatório do selénio é consequência do facto de determinados glóbulos brancos (macrófagos) passarem de pró-inflamatórios para anti-inflamatórios com a ajuda do selénio. Por esta via, os enterócitos, que constituem uma barreira, conseguem recuperar muito mais rapidamente.
No seu artigo de revisão, os autores também se referem ao intestino como o “terceiro cérebro” e afirmam que a flora intestinal e a digestão têm enorme importância para a saúde mental. A flora intestinal saudável produz determinadas vitaminas B, enzimas e serotonina (um neurotransmissor), todos importantes para a saúde mental. Também é sabido que a obstipação pode afectar o humor. E isto porque as toxinas, que normalmente são segregadas nas fezes, são reabsorvidas pelo cólon e intoxicam o organismo.
Os autores concluem que a carência de selénio pode alterar a flora bacteriana saudável em sentido negativo, criando condições para doença inflamatória intestinal, perturbações da tiróide, cancro e outras doenças. Apesar de haver muita investigação nesta área, a ciência ainda não encontrou os níveis de selénio ideais para a flora intestinal. E uma das razões é o facto de a maioria das bactérias intestinais ser difícil de cultivar.
Carência de selénio e doenças intestinais
O cancro colo-rectal é uma das causas principais de morte por cancro na Europa. Em 2015, investigadores de 10 países europeus analisaram a relação entre carência de selénio e cancro colo-rectal em mais de 500 000 pessoas. Constataram que níveis baixos de selénio no sangue estavam associados a maior risco de cancro colo-rectal, ao passo que níveis séricos de selénio elevados baixam o risco.
Especialistas da Penn State University, nos Estados Unidos, constataram que níveis baixos de selénio no sangue estão associados a maior risco de aparecimento de doenças inflamatórias do intestino, como doença de Crohn e colite ulcerosa.
Onde se obtém selénio e porque é que a carência é tão comum?
Cereais, vísceras, carne, peixe e marisco, e frutos secos (especialmente castanha-do-Pará) são algumas das melhores fontes de selénio. Contudo, mais de 70 por cento do solo da China é pobre em selénio. E o mesmo se passa com os terrenos de cultivo na Europa e em muitas outras regiões do mundo. Este problema reflecte-se nas colheitas e é uma das razões principais por que o aporte de selénio diverge tanto entre as diversas regiões do mundo. Em muitos casos, poderá ser necessário tomar um suplemento. O organismo tem mais facilidade em absorver e metabolizar as formas de selénio orgânico comparativamente às formas de selénio inorgânico. Na maior parte dos estudos científicos do selénio, os cientistas utilizaram doses diárias de 100-200microgramas. Segundo a OMS, a dose máxima tolerada de selénio é de 400 microgramas diários.
Referências bibliográficas:
Jinzhong Cai et al. Advances in the study of selenium and human intestinal bacteria. Frontiers in Nutrition. 14 December 2022.
DICA! Veja também os artigos relacionados