O papel essencial do selénio contra o vírus da COVID-19 e outros vírus ARN
O estado nutricional é fundamental para a saúde e para a capacidade de controlar as infecções. São várias as funções do selénio no sistema imunitário, incluindo a função como antioxidante e de neutralizar a inflamação. O selénio também é capaz de impedir que os vírus sofram mutação e se tornem mais agressivos ou originem novas vagas da doença. Uma equipa de cientistas chineses fez uma revisão de vários estudos do selénio e do seu papel na protecção contra o vírus influenza, VIH e outros tipos de vírus ARN. Constataram, entre outras coisas, que o risco de contrair infecção por SARS-COV-2 é 10 vezes menor em regiões onde o solo é rico em selénio. É, por isso, muito problemático a insuficiência de selénio, causada por terrenos de cultivo pobres em selénio, estar tão disseminada na Europa, China, África e muitas outras regiões.
O SARS-CoV-2 é um vírus ARN com uma capacidade invulgar de sofrer mutação. É por isso que as vacinas têm efeito limitado, o que coloca novos desafios. São muitos os cientistas que consideram que a terapêutica nutricional pode ajudar a prevenir e tratar a COVID-19 e outras infecções virais. Os cientistas chineses examinaram um grande número de estudos publicados que já demonstram as virtualidades do selénio em relação à COVID-19 e outras infecções por vírus ARN.
A insuficiência de selénio é assustadoramente frequente
O teor de selénio no solo de diversas regiões do mundo pode divergir numa percentagem de várias centenas. E o problema é agravado pelos métodos de agricultura intensiva que provocam ainda mais depleção e afectam toda a cadeia alimentar. Segundo relatórios da OMS, mais de 40 países são pobres em selénio. Os níveis mais baixos registam-se na Europa, África, e numa extensa faixa que vai do nordeste à região centro-sul da China.
Aproximadamente mil milhões de pessoas no mundo têm falta de selénio |
O papel do selénio nas defesas imunitárias
- O selénio é fundamental para diversas selenoproteínas e tem as seguintes funções no sistema imunitário:
- Reforça a imunidade inata que combate a maioria dos microrganismos, sem que nos apercebamos
- Reforça a imunidade adaptativa que se especializa e forma anticorpos e confere imunidade
- Favorece a divisão e comunicação das células imunes, o que é essencial para respostas imunitárias normais
- Favorece os antioxidantes, como GPX, que protegem as células saudáveis quando as defesas imunitárias atacam
- Neutraliza a inflamação
- Impede a mutação dos vírus
Quando as defesas imunitárias atacam, produzem-se citocinas e radicais livres e iniciam-se processos inflamatórios para destruir células infectadas com o vírus, de forma rápida e eficaz. Contudo, é essencial não haver hiper-reacção das defesas imunitárias, pois isso provoca stress oxidativo, que é o desequilíbrio entre radicais livres nocivos e antioxidantes protectores. Na verdade, o stress oxidativo é uma das razões principais por que as infecções como a COVID-19 e por outros tipos de vírus ARN, subitamente, se complicam e tornam potencialmente fatais.
Breve síntese da relação entre selénio e vírus ARN
No artigo de revisão, os investigadores chineses analisaram diversos estudos do papel do selénio na prevenção e tratamento de vários tipos de infecção causada por vírus ARN, incluindo COVID-19.
VIH
No mundo inteiro, mais de 35 milhões de pessoas estão infectadas com VIH (Vírus da Imunodeficiência Humana) e há 1,5 milhões de mortes por ano relacionadas com SIDA. Em África e nos Estados Unidos, os cientistas observaram que, quanto mais pobre em selénio forem os terrenos de cultivo de uma dada região, maior é a mortalidade por SIDA. Os estudos mostram que a suplementação diária com 200 microgramas de selénio ajuda a reforçar as células T do sistema imunitário e pode obstar ao desenvolvimento do VIH.
Ébola
O ébola é muito comum em África, onde o solo é extremamente pobre em selénio. Nas fases tardias da doença, os doentes sofrem de hemorragias internas. O selénio tem influência no processo de coagulação ao regular o equilíbrio entre trombina e prostaciclina, razão pela qual os cientistas admitem que a insuficiência de selénio grave pode contribuir para a mortalidade desta doença. Os estudos mostram que a suplementação com selénio pode diminuir a taxa de mortalidade. Além disso, é possível que os suplementos de selénio ajudem a proteger o sistema circulatório nos casos complicados de COVID-19 pelos mesmos mecanismos.
Coxsackie
A doença de Keshan é uma doença cardíaca fatal, identificada pela primeira vez na província de Keshan, no nordeste da China, onde o solo é extremamente pobre em selénio. É uma doença causada por um vírus ARN – de resto inofensivo – denominado coxsackie, que o sistema imunitário não consegue combater se o organismo tiver falta de selénio. Já em 1965, a população chinesa daquela região começou a prevenir, e conseguiu erradicar, a terrível doença com suplementos de selénio.
Um estudo americano mostrou que, quando ratos com défice de selénio são inoculados com o vírus coxsackie, o vírus tem muito mais tendência para sofrer mutação no organismo. Os ratos infectados que tinham falta de selénio desenvolveram complicações pulmonares graves, ao passo que os ratos com selénio suficiente desenvolveram apenas sintomas ligeiros. Os cientistas responsáveis pelo novo artigo sugerem que o selénio pode ajudar a impedir que o SARS-CoV-2 sofra mutação e se torne mais perigoso.
Influenza
Novas estirpes mutantes de influenza, muitas vezes, têm origem em regiões com falta de selénio e transmitem-se aos humanos através de aves domésticas ou do porco. O vírus influenza é totalmente inofensivo; no entanto, se o sistema imunitário estiver comprometido ou desregulado, pode, em caos raros, surgir uma pneumonia complicada ou sépsis fatal. Os relatórios mostram que a insuficiência de selénio aumenta o risco de contrair o vírus influenza e pode aumentar o risco de lesão do tecido pulmonar causada por stress oxidativo.
Estudos clínicos já demonstraram que o selénio tem efeito positivo na resposta imunitária ao influenza.
O papel do selénio na COVID-19
A infecção por SARS-CoV-2, normalmente, tem início quando o vírus infecta as células do nariz e se propaga às vias respiratórias inferiores. A maior parte das pessoas consegue resistir ao vírus ou apenas desenvolver infecção ligeira a moderada. Contudo, se o sistema imunitário estiver comprometido, a doença pode evoluir para síndrome de dificuldade respiratória aguda (SDRA), que é a falência aguda do pulmão. E uma das causas principais é o stress oxidativo e hiperinflamação nas células epiteliais dos pulmões, o que pode levar a insuficiência circulatória e morte do doente.
As defesas imunitárias dependem do selénio para uma resposta rápida e eficaz. O selénio também é uma parte importante dos potentes antioxidantes GPX que neutralizam o stress oxidativo e protegem as células epiteliais das vias aéreas, do sistema circulatório e de outros tecidos.
Na China, onde os níveis de selénio no solo divergem bastante de região para região, os investigadores constataram que o risco de contrair COVID-19 é dez vezes inferior em regiões ricas em selénio.
Os cientistas também constataram uma relação positiva entre os níveis de selénio no cabelo de uma pessoa e a capacidade de recuperar de infecção por SARS-CoV-2. Um estudo alemão relata que os doentes que sobrevivem à COVID-19 têm níveis sanguíneos de selénio mais elevados comparativamente aos doentes que morrem da doença. E um estudo coreano constatou que os doentes de COVID-19 que tiveram pneumonia tinham insuficiência de selénio acentuada.
Conclusão
Os terrenos de cultivo pobres em selénio em extensas regiões do mundo constituem um sério factor de risco no que toca à disseminação e gravidade da COVID-19. O selénio é primordial para as defesas imunitárias, além de ser um antioxidante essencial. As propriedades anti-inflamatórias do selénio ajudam as defesas imunitárias a enfrentar infecções causadas pelo SARS-CoV-2 e outros tipo de vírus ARN, sem complicações. O selénio também permite impedir que os vírus ARN sofram mutação e se tornem cada vez mais agressivos ou originem novas vagas. É, por isso, de ponderar a suplementação com selénio dos muitos grupos de população com défice de selénio. Também poderá ser boa ideia administrar suplementos de selénio a doentes com COVID-19 grave, sendo que os cientistas responsáveis pelo novo estudo pedem mais investigação. O artigo de revisão está publicado na Environmental Research.
Suplementos de selénio
As colheitas agrícolas dinamarquesas, geralmente, são pobres em selénio e a insuficiência de selénio é generalizada. Os estudos mostram que a dose diária recomendada na Dinamarca (55 microgramas) não é suficiente para saturar devidamente a selenoproteína P, que é usada como um marcador da concentração de selénio no organismo. Seria necessária uma dose diária de cerca de 100 microgramas de selénio. Na maior parte dos estudos de intervenção com selénio, os cientistas utilizaram 100-200 microgramas por dia. O ideal é tomar levedura de selénio com uma mistura de diversos tipos de selénio orgânico, porque é muito semelhante à variedade natural de selénio que se obtém numa alimentação equilibrada com várias fontes de selénio. A EFSA (Autoridade Europeia de Segurança Alimentar) fixou a dose máxima de segurança de selénio em 300 microgramas por dia.
Referências bibliográficas:
Qiyuan Liu et al. Selenium (Se) plays a key role in the biological effects of some viruses: Implications for COVID-19. Environmental Research. 2021
Olivia M. Guillan et al. Selenium, Selenoproteins and Viral Infection. Nutrients 2019
Jones GD et al. Selenium deficiency risk predicted to increase under future climate change.
Proceedings of the National Academy of Sciences 2017
Lutz Shomburg. Dietary Selenium and Human Health. Nutrients 2017
Peter R et al. The influence of selenium on immune responses. Mol Nutr Food Res.
Arthur John R et al. Selenium in the Immune System. The Journal of Nutrition. 2003.
Beck MA, Levander OA. Host nutritional status and its effect on a viral pathogen. J Infect Dis. 2000.
Cowgill U.M. The distribution of selenium and mortality owing to acquired immune deficiency syndrome in the continental Unites States. Biol Trace Elem 1997.