O papel essencial do selénio e do zinco na fertilidade e na gravidez saudável
A ausência involuntária de filhos tornou-se cada vez mais comum. Muitas mulheres estão numa corrida contra o tempo e o seu relógio biológico não pára. Os tratamentos de fertilidade, abortos espontâneos, pré-eclampsia, bem como outras complicações durante a gravidez, contribuem para a carga física e psicológica. Num estudo australiano recente, publicado na Nutrients, os autores descrevem o papel fundamental do selénio e do zinco na fertilidade e na gravidez saudável. Abordam ainda os problemas da carência generalizada de selénio e chamam a atenção para o facto de as toxinas ambientais, como o mercúrio, provocarem défice de proteínas contendo selénio no organismo. Os cientistas salientam os suplementos para combater as carências, como seja o ácido fólico e o ferro, habitualmente recomendados à grávida. Compensa optar pela levedura de selénio, com múltiplos compostos de selénio orgânico, e pelo zinco orgânico, para melhor biodisponibilidade e metabolismo dos nutrientes.
A infertilidade – que é definida como a incapacidade de engravidar após um período de 12 meses a tentar conceber – afecta milhões de casais em todo o mundo. Na Dinamarca, aproximadamente um em cada sete casais sofre de infertilidade. Podem ser várias as causas subjacentes, como má qualidade do esperma, má alimentação, stress, tabagismo, idade materna avançada, obesidade e síndrome de ovários poliquísticos. Os metais pesados, como o mercúrio, o cádmio, o chumbo e outras toxinas ambientais, também podem perturbar o equilíbrio hormonal.
É sabido que o selénio, o zinco e o cobre têm grande importância na qualidade dos espermatozóides e na fertilidade masculina em geral. Contudo, ainda há muito que a ciência desconhece sobre estes oligoelementos em termos da sua importância na fecundação do óvulo e nas fases iniciais da gravidez.
O novo estudo australiano teve como objectivo estudar a relação entre concentrações plasmáticas de selénio, zinco e cobre e o tempo que levou as mulheres a engravidar. Verificou-se que a falta de selénio e zinco, mas não de cobre, torna mais difícil a concepção. Outros estudos mostraram que a falta de selénio e zinco também pode originar complicações na fase tardia da gravidez e pode, inclusivamente, afectar a saúde e o peso do bebé.
O estudo australiano
Com base no estudo coorte internacional, denominado SCOPE (Screening for Pregnancy Endpoints), os investigadores estudaram 1.164 mulheres de Adelaide, Austrália. Eram todas primigestas, na semana 14-16, de um único feto. As parteiras recolheram dados demográficos, hábitos tabágicos, relações familiares, antecedentes clínicos e ginecológicos, alimentação, utilização de suplementos, IMC, tensão arterial e perímetro abdominal. As mulheres que desconheciam a data de termo, que tinham diabetes ou que estavam em risco de pré-eclampsia, aborto espontâneo ou parto pré-termo foram excluídas do estudo, ficando 1.060 participantes ao todo. Com base na ingestão alimentar, de sólidos e líquidos, relatada pelas grávidas durante o mês anterior à concepção, os cientistas calcularam o aporte de selénio, cobre e zinco. As participantes relataram igualmente a utilização de suplementos e a frequência das relações sexuais. Além disso, os investigadores colheram amostras de sangue para avaliar as concentrações de selénio, zinco e cobre, no segundo trimestre de gravidez.
Das 1.060 mulheres, 894 (84,3%) levaram menos de 12 meses a engravidar e 166 (15,7%) mais de 12 meses. O estudo mostrou que níveis baixos de selénio e zinco estavam associados a uma gravidez tardia. Por conseguinte, as baixas concentrações de selénio aumentavam em 46% o risco de só engravidar após 12 meses.
Segundo um estudo mais vasto do ensaio coorte, que integrou mulheres com infertilidade involuntária, a carência de selénio estava associada a um aumento de 60% do risco de não ter filhos. Dado que a carência de selénio e de zinco era generalizada entre as participantes grávidas, os cientistas consideraram os resultados do estudo muito relevantes e que esta é uma questão que merece mais atenção, não só antes mas também durante a gravidez. Salientam igualmente o facto de muitos suplementos para a gravidez nem sequer conterem selénio.
Porque é que só a agricultura dá relevância ao selénio na fertilidade?A Dinamarca é uma região pobre em selénio, e o problema afecta toda a cadeia alimentar. Desde 1975 que os agricultores dão suplementação com selénio ao gado, de maneira a prevenir as várias doenças por carência, como seja baixa fertilidade. Também é prática corrente adicionar selénio e zinco à comida para cães e gatos, mas o mesmo não acontece nas refeições prontas a comer para pessoas. |
Fontes e carência generalizada de selénio
O selénio está presente, principalmente, no peixe, marisco, vísceras, ovos, lacticínios, castanha-do-pará e legumes verdes. As colheitas na Europa, geralmente, são pobres em selénio, e estima-se que 20% dos dinamarqueses obtenham menos selénio do que o oficialmente recomendado (a dose recomendada é de 55 microgramas).
Muitos especialistas recomendam uma dose diária de 100 microgramas. Esta é a dose necessária para saturar a selenoproteína P, uma selenoproteína que é usada como medida da concentração de selénio no organismo.
Embora o peixe e o marisco geralmente sejam considerados boas fontes, não é possível saturar a selenoproteína P, mesmo ingerindo marisco cinco dias por semana, segundo um estudo dinamarquês realizado com cientistas da Sociedade Dinamarquesa do Cancro.
As muitas funções do selénio na fertilidade e sua importância para uma gravidez saudável
O selénio sustenta cerca de 25-30 enzimas seleniodependentes (selenoproteínas) que ajudam a regular a renovação energética, o metabolismo e a síntese de ADN. As selenoproteínas também servem de antioxidantes potentes que protegem as células contra o stress oxidativo provocado pelos radicais livres. O selénio é importante para desenvolvimento e maturação foliculares. Tem-se observado que as mulheres com infertilidade inexplicável têm concentrações de selénio mais baixas no líquido extrafolicular que nutre os óvulos.
A suplementação diária com 100 microgramas de levedura de selénio orgânico durante a gravidez, desde o primeiro trimestre até ao parto, pode reduzir em mais de 30% o risco de ruptura da membrana fetal, segundo um estudo controlado com placebo que está publicado em Journal of Obstetrics and Gynaecology. Além disso, as mulheres que tomam levedura de selénio têm menor risco de pré-eclampsia, que é a causa principal de parto pré-termo. A pré-eclampsia pode, inclusivamente, transformar-se em eclampsia, uma situação potencialmente fatal.
Uma equipa de cientistas internacionais, que integrou investigadores dinamarqueses, realizou um grande estudo que constatou uma eventual ligação entre ADN materno, carência de selénio e parto pré-termo. Tudo indica que o selénio tem um papel estrutural e protector durante a gravidez, e os cientistas fazem referência a efeitos circulatórios na placenta e ao facto de o selénio funcionar como antioxidante potente e neutralizar a inflamação.
O selénio também consegue neutralizar os metais pesados, como o mercúrio, ao reagir com ele para formar um composto inerte, o selenito de mercúrio, que o organismo consegue excretar. Contudo, uma vez sequestrado pelo mercúrio, o selénio já não consegue sustentar as diversas selenoproteínas que são fundamentais para a fertilidade e gravidez. Daí a intoxicação por mercúrio, que é bastante frequente, aumentar a necessidade de selénio.
Muitas mulheres grávidas ou a amamentar têm queda de cabelo. Isto deve-se, frequentemente, à falta de selénio e de zinco |
A importância do zinco na fertilidade e na gravidez saudável
O zinco é um cofactor em mais de 1.000 processos enzimáticos e está ligado a cerca de 10% das proteínas no organismo. O zinco é essencial para vários processos que regulam a fertilidade, o desenvolvimento, o metabolismo, e muito mais. O zinco também é um antioxidante potente que protege as células contra o stress oxidativo.
Escusado será dizer que os níveis de zinco no sangue materno são extremamente importantes antes da concepção, durante a concepção e durante a gravidez. Estudos em animais mostram que a carência de zinco pode originar desenvolvimento anómalo dos ovários, folículos e óvulos.
Segundo o novo estudo australiano, as mulheres com os níveis de zinco no sangue mais baixos levaram mais 14 dias a engravidar. Embora a diferença não seja significativa, os cientistas sublinham a importância de obter zinco suficiente da alimentação para favorecer a fertilidade e a gravidez.
Cerca de metade das grávidas do estudo obtinham zinco dos multivitamínicos diários. Outros estudos mostram que baixos níveis de zinco no sangue estão ligados a baixo peso à nascença e parto pré-termo. O zinco é igualmente um mineral importante no aleitamento, e a mulher perde duas vezes mais zinco durante o período em que amamenta.
Fontes de zinco e uma explicação para a grande frequência da carência
O zinco está presente, principalmente, na carne, no marisco, nos lacticínios, frutos secos, grãos e feijão. As fontes animais de zinco são de melhor absorção que as fontes vegetais. A absorção do zinco é prejudicada pelo açúcar e pela pilula contraceptiva, e ainda pelos suplementos de ferro inorgânico. As grávidas com recomendação para tomar ferro devem optar por suplementos de ferro orgânico. Embora a carência grave de zinco seja rara nas regiões ocidentais, a carência ligeira e moderada é bastante comum. As grávidas devem procurar sempre obter este nutriente essencial em quantidade suficiente.
Deve-se optar por suplementos de zinco orgânico que o organismo consiga absorver e metabolizar
Em primeiro lugar, deve-se procurar obter zinco suficiente de boas fontes alimentares. Muitos dos suplementos disponíveis contêm formas inorgânicas, como sulfato de zinco ou óxido de zinco, que não são assim tão bem absorvidas. As fontes de zinco orgânico, como o gluconato de zinco e o acetato de zinco, têm muito mais biodisponibilidade, pelo que se deve ler atentamente o rótulo antes da aquisição.
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Referências bibliográficas
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