Na doença da tiróide, é necessário manter o iodo e o selénio em equilíbrio
- e as carências de selénio são generalizadas
Estima-se que 500.000 dinamarqueses sofram de uma perturbação da tiróide, das quais a mais frequente é a doença de Hashimoto, que abranda o metabolismo. A produção e o funcionamento das hormonas tiroideias dependem do iodo e do selénio, pelo que é fundamental que os dois nutrientes estejam equilibrados. O iodo em falta ou em excesso aumenta o risco de doença de Hashimoto, e o mesmo sucede com o selénio, um nutriente que muitas pessoas têm em falta.
Fadiga extrema, aumento de peso, obstipação, intolerância ao frio, tumefação do pescoço e pele seca são alguns dos problemas que se observam em pessoas com metabolismo lento. Contudo, os sintomas podem variar, pelo que há muitas pessoas em quem ainda não foi diagnosticada.
A terapêutica com hormonas tiroideias não resolve necessariamente o problema. Na verdade, 20 por cento dos doentes sentem-se pior, apesar das análises do sangue parecerem normais. É, por isso, importante dar mais atenção ao papel do iodo e do selénio no metabolismo.
O iodo é um oligoelemento essencial. Há muito que é sabido que é importante para a tiróide, para o metabolismo, para a renovação energética e para o crescimento. A carência de iodo pode provocar bócio (aumento da glândula tiróide) e perturbações da tiróide, bem como cretinismo na criança, que se caracteriza por paragem de desenvolvimento físico e mental.
O iodo encontra-se sobretudo no peixe, marisco e plantas marinhas, mas as condições do solo também podem influir nos níveis do nutriente na alimentação. Na década de 1920, o exército suíço constatou que os soldados oriundos das regiões alpinas, em que os níveis de iodo no solo eram baixos, tinham mais predisposição para terem bócio do que os soldados oriundos das regiões ocidentais do país. Isto significou que um maior número de soldados oriundos das regiões alpinas pobres em iodo não estavam aptos a cumprir o serviço militar.
Em 1922, a Suíça foi o primeiro país a introduzir o sal de mesa enriquecido com iodo, o que diminuiu a taxa de bócio e de cretinismo. Além disso, contribuiu para equilibrar a diferença de altura entre as pessoas de diversas regiões do país.
Em 1924, os Estados Unidos também adoptaram um programa de sal de mesa enriquecido com iodo, o qual contribuiu especialmente para diminuir a taxa de bócio na “zona endémica” pobre em iodo, localizada nas regiões do noroeste dos Estados Unidos.
O aporte de iodo na Dinamarca ainda está no limite inferior
Até à década de 1990, ninguém suspeitava de que houvesse carência de iodo na Dinamarca, até se detectar uma elevada taxa de bócio na Jutlândia. Esta diferença devia-se ao facto de o teor de iodo no lençol freático divergir de região para região na Dinamarca. Desde 2000, o sal de mesa produzido na Dinamarca (com excepção do sal em flocos) tem sido enriquecido com iodo, para prevenção do bócio. Contudo, ainda que o aporte de iodo tenha aumentado ligeiramente, continua a ser insuficiente, especialmente nas grávidas.
Parece que a carência de iodo pode contribuir para o aumento da incidência de perturbações da tiróide, mas o aumento súbito do aporte de iodo também pode ser um problema para pessoas com predisposição para doenças da tiróide sem o saberem, especialmente se também tiverem falta de selénio. Isto será abordado mais adiante.
A glândula tiróide precisa de iodo, mas o aumento súbito do aporte de iodo pode causar problemas, sobretudo se não se obtiver selénio suficiente. |
Porque é que a glândula tiróide e as hormonas tiroideias precisam de iodo e selénio
A glândula tiróide está situada na porção anterior do pescoço e é estimulada pela hormona tireostimulina (TSH) que faz a tiróide segregar hormonas para estimular a captação de oxigénio celular. Isto tem influência directa no metabolismo ao permitir às células transformarem as calorias em energia. A tiróide segrega duas hormonas: a T4, que é a hormona inactiva que contém quatro átomos de iodo, e a T3, que é a hormona activa que contém três átomos de iodo. Para activar o metabolismo nas diversas células e tecidos do organismo, as enzimas contendo selénio (deiodinases 1-3) retiram um átomo de iodo à T4, convertendo-a em hormona T3 activa. Este processo realiza-se em função das necessidades do organismo de T3.
Se for segregada muito pouca hormona T3, o metabolismo abranda. Por outro lado, a hipersecreção de T3 acelera o metabolismo. É importante que o iodo e o selénio estejam presentes no organismo para que esta regulação funcione devidamente.
Sabia que a glândula tiróide é o órgão com a concentração mais elevada de iodo e selénio?
Doença de Hashimoto (Tiroidite de Hashimoto)
A doença de Hashimoto, que provoca o abrandamento do metabolismo, foi descrita pela primeira vez, em 1912, pelo médico japonês Hakaru Hashimoto. É uma doença auto-imune em que o sistema imunitário ataca a tiróide, provocando inflamação e destruição do tecido.
A doença de Hashimoto pode ser insidiosa e, muitas vezes, tem início com hipertiroidismo (metabolismo acelerado). À medida que a glândula tiróide e as respectivas enzimas são progressivamente atacadas por dois anticorpos, chamados tiroperoxidase (TPO) e tiroglobulina (Tg), a produção de T3 e T4 diminui. Isto faz com que a hipófise aumente a sua produção de TSH para aumentar a produção de hormonas tiroideias. Mas em vão, porque a tiróide é destruída pela inflamação provocada pelas defesas imunitárias hiperactivas e os níveis de TSH mantêm-se elevados.
Os níveis baixos de hormona tiroideia levam muitas vezes a um maior número de sintomas, dependendo dos tecidos que têm falta de energia. Daí ser imprescindível fazer diagnóstico e terapêutica precoces, sobretudo em caso de gravidez.
O diagnóstico da doença de Hashimoto faz-se por análises do sangue para despiste da presença dos dois anticorpos, anti-TPO e anti-TG, e ainda TSH, T4 livre, T3 livre e T3 reversa.
Sintomas de hipotiroidismo
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Iodo em falta ou em excesso
Como já foi referido, a tiróide precisa de iodo para produzir hormonas tiroideias. Normalmente, o ser humano tem boa tolerância ao iodo, mas tudo indica que os doentes com perturbações da tiróide, como doença de Hashimoto, não devem obter iodo em excesso, sobretudo se tiverem défice de selénio. Os doentes com doença de Hashimoto poderão sentir-se melhor quando tomam grande quantidade de iodo durante um certo período, mas ao fim de algumas semanas o seu estado pode agravar-se. Isto mesmo foi observado num estudo publicado em Current Opinion in Endocrinology & Diabetes and Obesity, em 2012.
Um estudo chinês de 2006 demonstrou que o aporte elevado de iodo aumenta o risco de reacções auto-imunes na tiróide, precisamente o que se observa na doença de Hashimoto. Outro estudo chinês de 2014, que integrou 146 homens e mulheres com metabolismo lento subclínico, mostrou que um aporte inferior de iodo fazia baixar os níveis de tireostimulina (TSH), o que é sinal de que a tiróide recupera.
Contudo, não basta considerar apenas o aporte de iodo, porquanto o selénio, apesar de frequentemente ignorado, tem um papel quase tão importante no metabolismo.
As pessoas com doença da tiróide correm o risco de obter iodo em excesso pelo consumo de sal enriquecido com iodo ou plantas marinhas em grande quantidade, ou por exposição ao iodo radioactivo. |
O selénio tem diversas funções na glândula tiróide e no metabolismo
O selénio reforça um total de 35 selenoproteínas, que são enzimas essenciais com função antioxidante. O selénio é especialmente importante para renovação energética, sistema cardiovascular, sistema imunitário, fertilidade, prevenção do cancro e metabolismo.
Como já foi dito, o organismo precisa das enzimas contendo selénio, deiodinases 1-3, para converter a hormona T4 inactiva em hormona T3 activa nos diversos tecidos do organismo.
Outras enzimas contendo selénio funcionam como potentes antioxidantes GPX (glutationa peroxidase) que protegem a tiróide da agressão dos radicais livres e do stress oxidativo. Os radicais livres são subproduto da renovação de oxigénio natural, e a carga de radicais livres aumenta extraordinariamente com infecções, tabagismo, álcool, medicamentos, exposição ao mercúrio e outros poluentes ambientais, stress e processos de envelhecimento.
Cerca de cinco litros de sangue passam pela tiróide por hora, razão pela qual esta fica especialmente vulnerável aos radicais livres (presentes no sangue). Os radicais livres em grande quantidade podem causar deterioração celular e inflamação. Daí a necessidade de diversos antioxidantes, e os antioxidantes GPX são particularmente eficazes a neutralizar os radicais livres e a proteger a tiróide.
Selenoproteína S é um terceiro tipo de selenoproteína que regula os processos inflamatórios no retículo endoplásmico celular, o que é importante para uma série de processos metabólicos celulares.
Um estudo português de 2014 mostrou que o défice de selenoproteína S está associado a maior presença de diversas citocinas envolvidas na inflamação e na doença de Hashimoto.
Estudos indicam que o selénio protege contra o iodo em excesso
Tudo indica que ter quantidade suficiente de selénio no organismo protege contra o iodo em excesso e contra a doença de Hashimoto. Num estudo chinês, os cientistas compararam duas regiões geográficas onde as pessoas tinham aportes de selénio diferentes. Na região onde as pessoas obtinham selénio em quantidade suficiente, a taxa de perturbações da tiróide era significativamente inferior. Os investigadores fizeram o doseamento sérico do selénio e constataram haver relação entre elevada taxa de selénio e menor risco de doenças auto-imunes, como a doença de Hashimoto.
Nas duas regiões, os chineses tinham aporte de iodo mais elevado, o que por si só pode predispor para a doença de Hashimoto, mas que não se verificou entre os chineses que tinham selénio suficiente no sangue. Tudo indica que deve haver um certo equilíbrio entre o iodo e o selénio, pelo que é especialmente importante obter selénio em quantidade suficiente.
A importância do selénio para a tiróide e para o metabolismo
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A nossa alimentação é pobre em selénio, mas este problema pode ser corrigido
O aporte de selénio da alimentação europeia é muito inferior ao obtido na alimentação noutras regiões do mundo, por causa do baixo teor de selénio no solo e dos hábitos alimentares. Isto pode contribuir para perturbações da tiróide como a doença de Hashimoto. Contudo, com a toma de um suplemento diário de 100-200 microgramas de selénio, é possível aumentar o aporte de selénio para igualar os elevados níveis de aporte em países como o Canadá, os EUA e o Japão. A levedura de selénio, com uma diversidade de variedades de selénio orgânico, é a melhor, visto que este tipo de suplemento é muito semelhante à variedade natural dos tipos de selénio que se obtêm numa alimentação equilibrada com diversas fontes de selénio.
Porque é que a hormonoterapia não resulta?O hipotiroidismo (metabolismo lento) normalmente é tratado com hormona T4 sintética. Quando este tipo de terapêutica não resulta como esperado, pode dever-se a selénio sérico baixo, impedindo a conversão da T4 inactiva em T3 activa, um processo que implica enzimas contendo selénio (deiodinases). |
Será o selénio o novo tratamento de referência?
Inúmeros estudos internacionais demonstraram que a suplementação diária com 200 microgramas de selénio tem efeito positivo nas perturbações auto-imunes da tiróide, como a doença de Hashimoto (que abranda o metabolismo) e a doença de Graves (que acelera o metabolismo).
Dois grandes estudos dinamarqueses estão actualmente a investigar o efeito de suplementos de selénio administrados a doentes da tiróide. Um estudo (CATALYST) é realizado em doentes com tiroidite de Hashimoto e o outro (GRASS) em doentes com doença de Graves.
Os doentes recebem 200 microgramas diários de levedura de selénio orgânico. Se estes estudos produzirem resultados positivos, o selénio será integrado no tratamento de referência no futuro. Os médicos irão observar igualmente se a necessidade de T4 sintética diminui em virtude de o selénio ser capaz de aumentar os níveis de hormona tiroideia e baixar os níveis de anticorpos.
Outras informações e sugestões úteis
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